TESTEMUNHO...
Um livro que me levou a filosofar…
Um dos livros que mais me marcou, “O General no Seu Labirinto” de Gabriel García Marquéz. É um romance histórico que gira em
torno da vida de Símon Bolívar. Não sei se se trata de uma história ou não,
mas, no livro, as últimas palavras dele foram: “Como é que alguma vez haverei
de sair deste labirinto?”. Eram belas as últimas palavras, mas não as percebia
bem. O que será o labirinto? Será viver ou morrer? De que é que ele está a
tentar fugir? Do mundo ou do fim do mesmo? Bem, estas perguntas mantiveram-me
perplexa durante uns bons momentos da minha vida, até me encontrar no auge do
sofrimento. O facto de um familiar querido falecer fez-me mudar por completo a perspetiva
do que era o labirinto. Antes de tudo isso acontecer, pensei durante muito
tempo que a escapatória do labirinto era fingir que ele não existia, construir
um mundo pequeno num canto obscuro, do interminável labirinto, e fingir que não
me encontrava perdida, mas sim em casa, o que acabou por me levar à solidão. No
momento em que a minha avó morreu, eu sabia que iria esquecê-la, sim. Aquilo
que nos unia iria desmoronar-se com uma lentidão incompreensível, e eu iria
esquecer, mas ela ia perdoar o meu esquecimento, tal como eu lhe perdoo por se
ter esquecido a mim… Sei agora que ela me perdoa. De início, pensei que ela
estava apenas morta. Apenas a escuridão. Apenas um corpo a ser comido por
insetos. Pensei muito nela dessa maneira, como a refeição de um bicho qualquer.
Eu era nova, era ingénua não tinha ideia do que a palavra sofrimento
significava. Mas a minha avó - olhos castanhos, sorriso acolhedor,
personalidade de um anjo – em breve passaria a ser nada, apenas ossos. Ainda há
vezes que penso nisso, penso que talvez o “Além” seja apenas algo que
inventamos para aliviar a dor da perda, para tornar suportável o nosso tempo no
labirinto. Talvez a minha avó fosse só matéria e a matéria é reciclada.
Simplesmente não acredito que ela fosse só matéria, eu acredito que somos mais
do que a soma das nossas partes. Se juntasse-mos ao corpo da minha avó todas as
suas experiências de vida, e as relações que ela teve com as pessoas, não a
obteríamos a ela. Existe uma parte dela que é mais do que a soma das suas
partes. E essa parte tem que ir para algum lado, não pode ser destruída. Uma
coisa que aprendi nas aulas de Ciência é que a energia nunca se cria nem se
destrói; quando a minha mãe ou qualquer outro adulto diz que “os adolescentes pensam que são
invencíveis”, com aquele olhar perverso e sorriso parvo no rosto, não sabem a
razão que têm. Achamos que somos invencíveis porque somos. Não podemos morrer!
Tal como a energia, apenas pudemos mudar as formas e os tamanhos. Os adultos
esquecem-se disso quando envelhecem, ficam com medo de falhar. Mas eu sei que
ela me perdoa, tal como eu a perdoo a ela. Algum escritor famoso antes de
morrer disse : “Ali está muito bonito”. Não sei onde fica o ali, mas sei que é
algures e espero que seja bonito.
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